Implementada em 2020, para auxiliar artistas prejudicados pela pandemia, a Lei destinou, ao município, mais de R$ 1 milhão. Parte da verba não foi gasta por problemas burocráticos.
Por Maria Eduarda Costa
Criada em 2020 para socorrer músicos, artesãos, artistas de rua, entre outros profissionais da classe artística prejudicados pela pandemia, a Lei Aldir Blanc destinou mais de R$ 3 bilhões a estados e municípios, responsáveis pelo repasse dos recursos aos beneficiários. O nome da lei é uma homenagem ao famoso letrista morto ano passado, vítima do novo coronavírus.
Em Mesquita, na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro, o valor recebido possibilitou o pagamento de 81 artistas e 9 instituições culturais. Segundo Kléber Rodrigues, subsecretário de Cultura, Esporte, Lazer e Turismo do município, Mesquita recebeu um milhão e cento e noventa e sete mil reais do Governo Federal.
A cidade fluminense ficou responsável pelo mapeamento dos eixos competentes ao município e pela organização do pagamento, desde o edital até a gestão das contrapartidas. Como obrigatoriedade imposta pela lei Aldir Blanc, os artistas beneficiados precisam realizar uma produção artística dentro do seu nicho e disponibilizá-la para a população.
O setor cultural ficou contemplado de forma diversificada, desde os produtores audiovisuais até os contadores de histórias. Assim, a cidade promoveu o pagamento do recurso através de editais dentro de cada segmento artístico. “Para cada um dos editais a gente criou uma comissão de avaliadores com gente de dentro da Prefeitura e pessoas de fora reconhecidas em suas áreas, dando credibilidade e lisura ao processo. Essa avaliação ficou disponível”, conta o subsecretário da pasta.
Alguns artistas encontraram dificuldades para o recebimento do recurso. De acordo com Rodrigues, responsável pela pasta, a ausência de documentos e a falta de retorno do contato fez com que menos da metade dos inscritos no edital recebessem o dinheiro. Apesar disso, a artesã Cláudia Alves diz que sua inscrição não foi aceita com a justificativa de inadequação nos padrões da lei. "Eu fui à Prefeitura para entender e lá me informaram que o prazo foi expirado, mas na resposta que eu recebi não informava que tinha um prazo”, afirma a artista.
Nessa ocasião, os artistas de Mesquita já estavam em contato com a Prefeitura. No início da pandemia, a gestão da cidade ofereceu três meses de cestas básicas para os trabalhadores do setor cultural. Desse benefício Cláudia e seu marido José Bernardo, também artista, conseguiram usufruir, mas a situação piorou ao longo dos meses e a ajuda do governo municipal não se manteve.
A não utilização de todo o valor recebido aos municípios implica na devolução do dinheiro oferecido através da lei Aldir Blanc. Por isso, diante de um número de contemplados abaixo do esperado, a gestão de Mesquita optou por permitir a inscrição em mais de um edital e dobrar o valor dos prêmios aos participantes. Essa situação propiciou o pagamento de altos valores aos artistas beneficiados, de R$ 1.500 até R$18.000, segundo Kléber Rodrigues.
Simone Santana, artesã mesquitense, recebeu o valor de R$ 6 mil, pagos à vista. Inicialmente, a artista receberia R$ 3.000, mas o valor dobrou com a possibilidade de fazer mais de uma inscrição, já que ela também é professora de artesanato. De acordo com Simone, o dinheiro foi suficiente para pagar suas dívidas e repor seu estoque de material. “Consegui dormir tranquila, mas quando você está precisando muito, rapidamente o dinheiro se acaba”.
As aulas que Simone oferecia foram interrompidas com o isolamento social, mas a renda da artesã começou a ser complementada pela venda de máscaras de tecido. Foi esse trabalho que ela apresentou em sua contrapartida, ensinando as pessoas a confeccionarem suas próprias máscaras em uma live promovida nas mídias sociais da Prefeitura da cidade. Segundo Rodrigues, a Subsecretaria responsável pelo projeto ofereceu os recursos de captação de som e imagem necessários para que os artistas realizassem a obrigação imposta pelo recebimento do dinheiro.
O subsecretário acredita que a promoção desses artistas configura uma segunda ajuda à classe, já que o espaço de divulgação é uma ferramenta importante nesse tipo de serviço. Cláudia Alves, a artesã que não conseguiu ser contemplada pela lei Aldir Blanc, concorda com Rodrigues. No entanto, a artista crê que o auxílio para a divulgação e facilitação da exposição dos artistas deve ser um comprometimento do poder público constantemente. “Eu não quero que o governo me sustente, mas eu queria um apoio para expor minha mercadoria em um lugar limpo e seguro, para ter tranquilidade para trabalhar”, explica Cláudia.
Com o alto número de casos como o de Cláudia e José Bernardo, a Prefeitura de Mesquita resolveu empenhar o dinheiro restante do concurso. Segundo Rodrigues, a ideia é pagar todos os inscritos aptos e, por isso, a Subsecretaria de Cultura, Esporte, Lazer e Turismo promoverá novos editais ainda esse ano. Já o Governo Federal não dá sinais de um possível segundo repasse de verbas para 2021.
Segundo o responsável pela pasta na cidade fluminense, o caráter emergencial da medida não possibilitou a organização de vários municípios que não contavam com algum tipo de cadastramento da classe artística. Na visão de Rodrigues, a coleta de dados e conjunção de informações entre municípios, estados e federação seria a forma mais efetiva de prestar auxílio aos artistas, mesmo fora da pandemia.
Em futuros processos, Rodrigues vê a possibilidade de auxiliar os artistas com recursos pontuais, assim como os da lei Aldir Blanc. “Algo que dê suporte para que o artista crie algum produto, mas temporário, senão vira assistência social e esse não é o objetivo”, afirma. Na pandemia, diz o subsecretário, essa ajuda deveria ser encarada como um pilar de saúde integrada. "A cultura foi mal interpretada como sendo um elemento acessório, mas na realidade ela foi a grande fuga para que a grande maioria não sucumbisse ao processo da pandemia”, finaliza.
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