![]() |
O Tik Tok tem apresentado forte influência no mercado editorial. Arte: Samara Barboza |
Em ano de pandemia da COVID-19, o mercado editorial foi surpreendido com uma mudança significativa nas vendas. Apesar das quedas bruscas no comércio e fechamentos de livrarias nos últimos anos, o consumo de livros está sendo mais recorrente entre jovens brasileiros. Dados apontam um aplicativo como um dos principais responsáveis, o Tik Tok, e junto com o novo fenômeno da internet, a comunidade literária, BookTok, ganhou visibilidade.
![]() |
Infografia: Samara Barboza |
Na pesquisa realizada pelo SNEL - Sindicato Nacional dos Editores de Livros -, em 2019, 47% dos brasileiros não leram muito por falta de tempo. Os dados também revelam que 66% não se sentem influenciados por alguém para ter gosto pela leitura. Além disso, ler livros representa apenas 7% das atividades que os entrevistados faziam com o suporte da internet. Em diversas redes sociais e plataformas, sempre existiram grupos que compartilham seu amor pela literatura, através de resenhas, indicações e conversas. Os fãs de livros já tiveram passagens pelo Instagram, com o Bookgram, e pelo YouTube, com o BookTube. Cada um com sua particularidade na entrega de conteúdo e estimulo à leitura. Mas a surpresa veio do Tik Tok, cuja fórmula se adequou bem ao perfil da sociedade atual: a preferência por informações rápidas. Dessa forma, o mercado vem sendo impulsionado pelo aplicativo, feito este que as concorrentes não conseguiram.
O “boom” do BookTok
![]() |
Infografia: Samara Barboza |
Com mais tempo livre e reclusos em casa, boa parte dos brasileiros ganharam mais tempo disponível. Foi assim que o Tik Tok explodiu, o app de vídeos curtos tem crescido nos últimos anos, e consolidou o seu sucesso no ano da pandemia, ultrapassando, inclusive, o WhatsApp em downloads (ver quadro). E contribuiu para que uma nova comunidade literária ganhasse mais espaço, o BookTok. O BookTok possui um diferencial muito importante, que o fez disparar na frente dos grupos de outras plataformas. Ao contrário de conteúdos extensos, onde o usuário demora para descobrir sobre do que trata a obra, como é o caso do BookTube, o Tik Tok consiste na publicação de vídeos que podem variar de poucos segundos a um minuto. Além de ter um processo de criação mais complexo, já que o Tik Toker precisa passar o máximo de informações em pouco tempo. Tamanho é o crescimento do BookTok, que a hashtag no aplicativo já conta com mais de 18 bilhões de visualizações. Essa forte comunidade de pessoas apaixonadas por livros tem ganhado cada vez mais adeptos, principalmente, durante os últimos anos pandêmicos, quando os hábitos de leitura mudaram. As criadoras de conteúdo Amanda Ariani, Gabriela Rainá e Maria Júlia Alves notaram a diferença na frequência de leitura, umas para mais e outras para menos. Também foi nesse período que decidiram integrar o BookTok.
Amanda Ariani desde 2018 tem um site voltado para resenhas, críticas e dicas de livros, chamado Sentimento de Leitor. Antes do Tik Tok, já criava conteúdo para o Instagram. Mas encontrou no aplicativo chinês a oportunidade de alcançar mais pessoas. “O principal motivo da aderência ao Tik Tok é por ele impulsionar e trazer muito engajamento, às vezes, mais do que o Instagram. Se o aplicativo entende que o seu conteúdo é relevante, ele é levado para frente”, explica Amanda. “Diferente de outras plataformas em que o criador pode se estender, no Tik Tok, é necessário ser muito objetivo e convencer o público de que a história vale a pena usando essa objetividade”. Atualmente, Amanda tem mais de 30 mil seguidores na plataforma, e compreende a força que o Tik Tok tem como influenciador. Dá o exemplo de quando seu vídeo sobre um dos livros lançados pela Darkside viralizou e esgotou o estoque da editora. “Fiz um vídeo para uma editora que já alcançou mais de 300 mil visualizações e as pessoas comentaram, “nossa o livro saiu do estoque”. Um único vídeo terminar com o estoque da editora não é fácil no Instagram, quando você não é uma pessoa tão conhecida. Com 30 mil seguidores você não consegue isso lá. Mas já no Tik Tok é impressionante a quantidade de pessoas que alcança”. Inicialmente com a meta de até o final do ano completar 10 mil seguidores, Gabriela Rainá foi surpreendida ao ter ultrapassado essa marca em poucos meses, e agora, tem quase 180 mil em menos de um ano. A influenciadora passou por uma experiência parecida com a de Amanda. A graduanda de Medicina Veterinária na UFG percebeu o tamanho da sua influência quando um livro internacional que havia indicado se tornou um sucesso na plataforma. O livro em questão é The Bridge Kingdom (2018) de Danielle L. Jensen, que na época ainda não tinha sido publicado no Brasil. “Hoje em dia está com cerca de 400 mil views, e muita gente começou a ler o livro por conta desse vídeo. Recentemente, soube que a editora Seguinte vai trazê-lo para o Brasil, porque muita gente que assistiu o vídeo mandou mensagem para autora e para editora pedindo a publicação no Brasil”. A comunidade literária tem seus livros favoritos, e já há algum tempo, esses títulos têm aparecido nas listas de mais vendidos, entre eles: “Vermelho, Branco e Sangue Azul”, “Os sete maridos de Evelyn Hugo” e a “A Rainha Vermelha”. Logo, começou a ser perceptível que o número crescente de usuários somado ao aumento das vendas dos livros “queridinhos”, não era uma simples coincidência.
![]() |
Infografia: Samara Barboza |
Maria Júlia trabalha em projetos especiais da Publish News, portal de cobertura do mercado editorial, e acompanhou de perto a influência exercida pelo Tik Tok na lista de mais vendidos. “Comecei a fazer uma ligação entre a lista de mais vendidos e o Tik Tok razoavelmente cedo. Tem muitos livros explodindo, porque o aplicativo não para de falar. Quando eram casos de lançamentos era mais difícil de apontar. Porém, quando ele conseguiu fazer bombar livros antigos, que não estavam na lista de vendas há muito tempo, começamos a estranhar. Como isso estava acontecendo? E aí a resposta foi encontrada no Tik Tok!”
![]() |
Maria Júlia, Amanda Ariani e Gabriela Rainá começaram a criar conteúdo para o Tik Tok durante o primeiro ano de pandemia. Foto: Samara Barboza |
O Tik Tok oferece um engajamento mais próximo e dá prioridade na entrega de conteúdos pela “For you”, cujo intuito é o algoritmo selecionar vídeos que mais se encaixam na procura do usuário. Diferente de muitas redes sociais, no Tik Tok não é preciso seguir a pessoa para ver constantemente o que ela publica, o que facilita a entrega de conteúdo. Logo, mesmo que a pessoa não seja uma leitora muito ativa, em algum momento irá se deparar com indicações do Booktok.
Aliado com o Tik Tok, outra contribuição para a conquista de novos leitores foi a disponibilidade de ebooks gratuitos no início da pandemia. Dando continuidade ao trabalho feito dentro do aplicativo, empresas como Amazon e Submarino investem fortemente em promoções, como Prime day, Book day e Subday, para que os consumidores possam aumentar suas coleções literárias. Além disso, os criadores de conteúdo mantêm seu público informado para que aproveitem as quedas de preço e comprem os livros constantemente indicados pela comunidade. Por conta desse crescimento, o Tik Tok rapidamente capturou a atenção das editoras, que passaram a enxergar a sua influência. O investimento foi visível, e se tornou uma forma alternativa de divulgação com o objetivo de alavancar as vendas.
O impacto em livrarias físicas
Sem Saraiva e Cultura ocupando grandes espaços, livrarias menores e sebos vêm sendo vistos com mais frequência e preenchem esse vazio. Apesar da difícil concorrência atual com o e-commerce e os obstáculos de um cenário desfavorável nos últimos anos, de acordo com levantamentos da empresa Yandeh, cerca de 56 novas lojas foram inauguradas em 2020. Até mesmo grandes nomes do setor passaram a concentrar suas unidades em lugares menores e com o auxílio de uma curadoria, em busca de facilitar e agilizar o contato do leitor com a obra buscada.
Por outro lado, no Brasil ainda causa estranhamento o contraste entre fechamento e abertura de livrarias. Maria Júlia aponta a estratégia usada por algumas delas, e que nem sempre gera bons resultados: “Muitas livrarias ficaram presas a essa questão de abrir mega lojas em shoppings, onde o espaço de aluguel é muito caro. Esse não é um formato que necessariamente funciona. Querendo ou não, o mercado de livros no Brasil é pequeno, ele movimenta, anualmente, o que o Carnaval movimenta em um final de semana na cidade de São Paulo. Ainda tem casos em que os livros são vendidos em um valor mais baixo do que deveria ser, devido à inflação".
O mercado de livros nacionais
O Tik Tok também impactou a venda de títulos nacionais, que anteriormente era concentrada em clássicos - muito por recomendações escolares -. Atualmente, o cenário foi revertido e abriu novos espaços. Como é o caso de Conectadas, escrito por Clara Alves, a obra com representativade LGBTQIA+ é facilmente encontrada na tag do BookTok.
O aplicativo também tem servido como divulgação de autores e títulos nacionais, além dos próprios escritores integrarem esse espaço em busca de leitores para suas obras. Como Clara Alves, autora de Conectadas, e Nayany Hachler, criadora de Driven to You e produtora de conteúdo com foco em literatura nacional.
“A lista de autores brasileiros mais vendidos do Publish News sempre teve escritores de clássicos, romances mais velhos e autoajuda. Na última atualização houve um aumento muito grande desses autores mais recentes e que falam com um público mais novo também. Então, você acaba apresentando a literatura brasileira para quem não consumia tanto, era mais o que a escola mandava. É perceptível esse crescimento enorme, já que esses autores têm muitos recomendados lá dentro”, explica Maria Júlia.
Infografia: Samara Barboza |
O mercado de livros em 2021 segue mostrando números impressionantes e a tendência é que supere 2020. Em mais um ano em que parte da população permanece reclusa, há dúvidas a respeito da regularidade das vendas para o futuro, especialmente, com a retomada gradual para as ruas. Essa é uma das preocupações de Gabriela, que teme a diminuição do BookTok após o fim da pandemia e que isso afete negativamente a vendas de livros. Maria Júlia apresenta uma visão diferente. Para ela, a adesão do público a mais leituras e diferentes formatos pode significar uma mudança mais duradoura nos hábitos.
0 comentários: