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Clubes e torcedores discutem o retorno aos estádios do Rio

Reprodução: Buda Mendes/Getty Images

Por Hugo Góes Adriano
Onze de março de 2020. Foi a última vez que o município do Rio de Janeiro viu um jogo com estádio lotado. Naquele dia, o Flamengo bateu o Barcelona de Guayaquil pela Copa Libertadores por 3 a 0. Na mesma data, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarava oficialmente que a contaminação do novo coronavírus era de fato uma pandemia. Nos Estados Unidos, a temporada da NBA, liga de basquete americana, era suspensa e aqui o Ministério da Saúde divulgava boletim anunciando que o número de casos chegava a 69.

No Brasil, desde então, tudo parou (ou deveria ter parado). O futebol especialmente foi um dos que mais sentiu o impacto da pandemia. Estamos há quase um ano e meio – salvo algumas exceções - sem o principal motor do esporte: a torcida. 

Com o avanço da vacinação a partir do segundo trimestre de 2021, o debate sobre o retorno de público, mesmo que reduzido, nos estádios, voltou à pauta. E apesar de alguns Estados já terem tido partidas com torcida, não há uma data pré-estabelecida nacionalmente.

No dia 29 de julho a prefeitura do Rio de Janeiro havia divulgado um primeiro cronograma de reabertura e fim das restrições que era dividido em três fases. Falando especificamente a respeito dos estádios de futebol, o documento previa a “permissão de público com esquema vacinal completo em estádios (50% da capacidade)”, já na primeira fase da reabertura, em dois de setembro de 2021. O uso de máscaras seguiria sendo obrigatório.

Quarenta e cinco dias depois, em 17 de outubro, a liberação de público nos estádios de futebol chegaria aos 100% desde que o público apresentasse esquema vacinal completo, ainda com o uso de máscaras sendo obrigatório. Todos esses cronogramas, segundo a própria prefeitura, dependeriam de uma situação em que “o cenário epidemiológico da pandemia de COVID-19 na cidade se mantenha em queda”. Contudo, o avanço da variante Delta fez com que, quase um mês depois do anuncio do plano, o planejamento fosse adiado de forma indeterminada pela prefeitura. Além disso, a prefeitura do Rio de Janeiro também publicou em Diário Oficial, no dia 27 de agosto, que a partir de 1º de setembro alguns locais de espaço coletivo só poderiam ser ocupados por aqueles que comprovassem, mediante apresentação do cartão de vacinação, que estão em dia com as obrigações sanitárias ligadas à COVID.

Enquanto isso, no Rio, os quatro grandes clubes se dividem sobre o assunto do retorno de público aos estádios. O Botafogo, por exemplo, soltou em 19 de agosto uma nota oficial a respeito do tema. Na visão do clube, qualquer possibilidade de volta de torcedores aos locais da partida só deve ser pensada se for em conjunto, para que não haja nenhum tipo de desequilíbrio nas competições. A nota ainda complementa informando que “O Botafogo está acompanhando com atenção as determinações das autoridades sobre o retorno de público. O Clube defende que ocorra de forma segura e isonômica, atendendo às orientações das autoridades sanitárias e considerando a realidade dos estados e municípios envolvidos na competição, com um denominador comum entre todas as agremiações participantes”.

O Fluminense, através de sua assessoria, nos informou que não vai se posicionar sobre o tema, uma vez que as autoridades de saúde ainda estão definindo como serão as regras.

Enquanto o Flamengo já tem tido partidas com público – até o momento foram duas, ambas jogadas em Brasília – o Vasco da Gama não respondeu até a data de fechamento desta reportagem.

Em contato com a Secretária Municipal de Saúde, a assessoria se limitou a dizer que “Eventos esportivos estão sendo realizados, desde que sem público presente”.

Do outro lado da moeda estão os verdadeiros protagonistas do show: os torcedores. Diante das mudanças causadas pela pandemia, eles tiveram que mudar suas rotinas e acompanhar seus times somente pela TV. E para quem se acostumou a estar na arquibancada quarta e domingo, estar na frente de uma tela é frustrante.

Gabriel Félix, professor de História num colégio particular de Niterói, é torcedor do Flamengo e esteve presente na última apresentação do time num estádio com 100% da capacidade disponível. Todo esse tempo fora dos estádios fez com que, nas palavras do próprio Gabriel, o futebol perdesse um pouco da alma. Para ele, o futebol só tem sentido com torcida, e mesmo os jogos que ele sempre viu pela TV, como campeonatos europeus, não eram a mesma coisa. “Além de ser muito flamenguista, sempre vi muito jogo de futebol de outros lugares, campeonatos europeus e etc. E eu perdi o tesão de ver jogos lá de fora. Só passei a ver agora no meio de 2021 quando os públicos de lá voltaram. E aí você passa a ter aquela sensação de que aquilo tem um ponto” disse ele.

Compartilhando esse “vazio” deixado pela falta de presença nos estádios relatado por Gabriel está o jornalista Matheus Maciel. Matheus viu in loco o último título com presença de público no Maracanã. A vitória por 3 a 0 do Flamengo sobre o Independiente del Valle em partida valida pela Recopa Sul-americana. Ele ainda lembrou que tinha ingressos para a última partida, aquela que Gabriel presenciou, porém, já com receio das consequências da COVID, não foi ao Maracanã naquele dia.

Para Matheus, esse tempo foi importante para lembrar até daquilo que os torcedores costumam não gostar na rotina de ir a jogos. “O período afastado dá pra dizer que tem sido de aprender a valorizar um pouco certas coisas. Às vezes a gente pensa se vale a pena ir pro estádio ‘ah paga caro’, às vezes sai mais caro do que ficar em casa vendo no seu Premiere, você passa perrengue e tudo mais, mas esse período afastado fez com que eu tivesse certeza que sim, faz muita diferença pra mim estar no estádio, pra que eu possa sentir a energia e para que eu possa tentar passar energia”.

Se estão do mesmo lado quando avaliam o vazio que o time do coração deixou, Matheus e Gabriel divergem quando o assunto é ter de volta torcidas nas partidas de futebol. O professor de História acha esse movimento “extremamente perigoso”, tendo em vista que, mesmo com um público vacinado, ainda há a possibilidade de transmissão da doença para aqueles que não estarão com seu ciclo de vacinação completo.

"É muito complicado pensar numa volta ao estádio enquanto a gente não tiver setenta, oitenta por cento de população vacinada. Enquanto os números não tiverem caído bastante. A gente tá na marca aí de oitocentos, novecentos de média móvel, mas ainda assim é um número gigantesco, né? Mesmo que a gente tenha visto três mil e oitocentos, novecentos é um número gigante. É porque a gente se acostumou a ver três aviões caindo por dia" – disse.

Para ele, a responsabilidade por essa “loucura” também é dos clubes que forçam essa volta, provocando não só questionamentos na questão sanitária, mas também na questão desportiva.

"Fora o fato de que a gente tem problemas com desportividade, né? Jogos ou confrontos que sei lá, numa ida e volta de mata-mata um time joga com o público outro sem, então isso tem uma diferença. É muito complicado. Fora o fato de que se você fazer isso num campeonato por pontos corridos, por exemplo, também influencia".

Gabriel diz que só pensa em voltar numa eventual final de Libertadores, e que mesmo para que isso aconteça existe uma série de condições que terão que ser alcançadas até a sonhada data de vinte e sete de novembro.

Do outro lado da moeda, Matheus acredita que já há condições de volta do público aos palcos do espetáculo, ele inclusive já planeja sua própria volta às arquibancadas. “Em relação à proposta de retorno do público, eu sou favorável mediante a vacinação progressiva. [A cidade do Rio] já tá vacinando pessoas com doze anos ou mais, a taxa de vacinação ainda é grandíssima e aí eu acho que abre sim o leque de possibilidades de um retorno gradual e seguro”. Ele completa “Tem coisa que é irresponsabilidade, sim, tem coisa que traz prejuízo ao coletivo, sim, e os jogos a gente só tem como descobrir voltando a partir de parâmetros seguros. Jogo do Flamengo em Brasília tem dado certo tipo de orgulho de ver que não foi uma desorganização completa, o público em Brasília tem respeitado, não sei se no Rio respeitariam tão bem. A gente viu um certo descalabro de realidade ali com Cruzeiro e principalmente o jogo do Galo [mascote do Clube Atlético Mineiro] em Belo Horizonte, totalmente descompassado do que é o mundo”.

E quando ele quer pisar em um estádio novamente? Na final da Libertadores.

"Eu já comprei tudo que é necessário pro meu retorno, se São Judas Tadeu, o nosso padroeiro, permitir voltar aos estádios, no dia 27 de novembro de 2021, no Estádio Centenário, no Uruguai, Montevidéu. Se tudo der certo, esse vai ser o dia que eu vou assistir meu Flamengo, em nada mais nada menos que a final da Libertadores de 2021. Há que se ver se será confirmada a presença de público, há que se ver se Flamengo chegará de fato à final, e há que se ver se eu conseguirei comprar o ingresso que é a única coisa que falta, mas já tenho essa meta traçada".

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